Adolescência: um outro olhar possível Adolescência em Série: Crescimento, Conflito e Construção da Identidade
- anaritanegri
- 14 de abr.
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A série Adolescentes, exibida na Globoplay, apresenta uma abordagem sensível e potente da adolescência como um processo de crescimento psíquico e construção de identidade. Com um apelo imediato para a violência do ato, do inesperado, do crime — um verdadeiro estado de alerta — a série rapidamente se desdobra em uma narrativa que busca o sentido por trás dos acontecimentos. As cenas, muitas vezes lentas e cotidianas, lembram a tentativa de compreensão de um pesadelo: não apenas mostrar o que aconteceu, mas elaborar o que se passou. Ao acompanhar os jovens em suas rotinas, dilemas e conflitos, a produção escapa da caricatura habitual que posiciona os adolescentes como ameaça ou vítimas indefesas. Em vez disso, oferece elementos que nos convidam a compreender esse momento da vida como uma travessia — marcada por lutos, invenções, negações e experimentações.
Esse olhar ganha profundidade quando articulado às contribuições de Arminda Aberastury (1910–1972), psicanalista argentina que dedicou parte significativa de sua obra à compreensão da adolescência. Para a autora, essa fase do desenvolvimento é marcada por um duplo desafio: o luto pela infância que ficou para trás e a construção de novas formas de ser no mundo. É nesse processo que o adolescente busca referências externas — ídolos, influenciadores, personagens — para se reinventar subjetivamente. Ele forma grupos, cria linguagens próprias, testa identidades. Tudo isso não como fuga, mas como expressão legítima da reconstrução de si.
A atualidade do pensamento de Aberastury é perceptível ao observarmos os adolescentes da série. Um dos episódios mais impactantes gira em torno da negação de culpa por parte de um jovem acusado de cometer um crime. Mesmo diante das evidências, o adolescente insiste em negar o ato, até que a intervenção de uma psicóloga o ajuda a se responsabilizar pelo ocorrido. O contraste entre essa postura e a do pai — que busca proteger o filho a qualquer custo, evitando sua responsabilização — revela um ponto-chave da adolescência: a necessidade de confronto com as consequências dos próprios atos para que o sujeito se reconheça como autor de sua própria história.
Esse é um momento sensível. Muitos adolescentes ainda estão formando os alicerces do seu juízo moral e ético, e o adulto — seja pai, professor, terapeuta ou outra figura de autoridade — tem papel essencial ao sustentar esse processo com firmeza, empatia e escuta. Negar-lhes essa travessia, sob o pretexto de protegê-los, pode significar impedir seu amadurecimento psíquico.
Outro aspecto forte da série é a maneira como retrata os grupos de pares. Os adolescentes se organizam entre si, compartilham códigos, expressões, estilos. Isso não é um modismo passageiro, mas sim um ritual de passagem necessário à afirmação de sua individualidade. O grupo funciona como um espelho simbólico e emocional, capaz de acolher e dar contorno à nova identidade em formação.
Essa visão é reforçada por diversas pesquisas contemporâneas sobre adolescência. O psicanalista francês Philippe Gutton, por exemplo, propõe a ideia da adolescência como um "segundo nascimento", exigindo uma nova inscrição do sujeito no mundo simbólico. Já estudos nacionais em psicologia educacional e saúde mental têm alertado para os riscos da patologização precoce de comportamentos típicos da adolescência, defendendo intervenções que valorizem a escuta e o reconhecimento do sofrimento psíquico do jovem em suas próprias palavras.
Nas escolas, pesquisas apontam que a forma como adultos abordam comportamentos transgressivos pode favorecer — ou impedir — a responsabilização subjetiva. Assim como na série, o foco não deve estar em punições, mas em processos de elaboração e reconhecimento da autoria.
Tratar a adolescência com seriedade, complexidade e respeito é uma urgência de nosso tempo. Significa deixar de lado o lugar comum de que basta "conversar com os jovens" para compreendê-los. É necessário sustentar, com base teórica e sensibilidade clínica, que o adolescente não está pronto — está se tornando. E para isso, precisa de espaço, escuta, limites, e sobretudo, adultos que suportem acompanhá-lo nessa travessia sem julgamentos apressados.
📚 Sugestões de leitura:
Aberastury, A. (1980). Psicopatologia da Adolescência. Artes Médicas.
Gutton, P. (2018). O Adolescente e o Psicanalista. Escuta.
Moura, C. M. et al. (2020). “Saúde mental na adolescência: desafios na contemporaneidade.” Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano.
Pereira, M. E. & Silva, T. R. (2021). “A função do grupo na formação da identidade na adolescência.” Revista Psicologia em Pesquisa.
Silveira, R. P. & Dias, L. (2023). “Culpa e responsabilização na adolescência: reflexões a partir de situações escolares.” Psicologia Escolar e Educacional.
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