Voltamos a falar sobre o tema: envelhecer na sociedade atual. Em tempos de Inteligência Artificial, de criação de novos espaços de moradia, de aquecimento global e de superexigências para superar limites — você pode o que você quer ou o que você pensa —, volto minha atenção à escuta na clínica e à minha experiência pessoal para refletir sobre a arte de envelhecer.
Isso mesmo, penso que viver é uma arte, e envelhecer faz parte desse processo. É possível viver com arte. Trago aqui minha experiência com minha mãe, que faleceu aos 95 anos. Lembro também de outra história que ouvi certa vez, de uma pessoa próxima que se indignou ao ouvir alguém descrever a morte de outra pessoa como algo bonito. Mas posso dizer que minha mãe teve uma morte bonita.
Dizer que ela queria morrer seria forte demais. Ela amava a vida, mas percebeu que algo diferente estava acontecendo com seu corpo. Ele já não respondia aos estímulos como antes: fome, alimentação, palpitação do coração — tudo parecia distinto. Esse processo ocorreu ao longo de cinco dias. Durante esse período, ela começou a relatar sonhos que classificava como esquisitos: “Estou sonhando com rendas, com terra, alguém cantando ao longe”, contava.
Até que, em uma chamada por Skype — ela adorava comunicar-se por vídeo com os parentes distantes —, despediu-se de sua querida irmã, que mora em uma fazenda no interior das Gerais. Após a ligação, deu um suspiro forte, deitou-se na cama, virou a cabeça para o lado e partiu. Estava linda, consciente, com os cabelos pintados e bem arrumados, exatamente como sempre gostou de estar.
Minha mãe viveu muitos desafios e perdas dolorosas na vida, mas nunca se entregou ao sofrimento. Sempre encontrava um motivo para agradecer à vida. Amava as festas de formatura dos netos e netas e dançava até o dia amanhecer. Era uma mulher empreendedora. Costumava dizer que sempre encontrava um jeito de fazer dinheiro. Amava criar possibilidades: com costuras — era uma costureira de mão cheia —, vendendo produtos da fazenda ou com seus crochês. Para ela, tudo podia ser transformado em dinheiro. E, para ela, isso era sinônimo de vida.
Sentia-se viva e grata à vida que recebia diariamente. Escolheu morar sozinha e mantinha-se firme nessa decisão. Eu percebia nela um desejo saudável de cuidar de si mesma: de sua alimentação, para manter o cérebro ativo, e da memória, que era sua grande preocupação. Mantinha uma agenda atualizada de telefones e aniversários, tudo de cabeça. Também cuidava da pele para evitar rugas, do corpo para manter o andar firme e para sentar e levantar com força nas pernas.
Fez ginástica até a última semana de vida. Quando não conseguia ir às aulas, caminhava, nem que fossem algumas voltas na pracinha. Sozinha ou acompanhada, não importava; o importante era a caminhada, que, segundo ela, a mantinha viva.
A partir dessa experiência, percebo que temos muitos modos de envelhecer. Podemos envelhecer como quer a sociedade contemporânea ou podemos escolher envelhecer dentro dessa mesma sociedade, com dignidade e autoestima, confiando na vida que construímos muito antes de chegar a idade de nos sentirmos velhos.
À luz da teoria psicanalítica podemos encontrar alguns conceitos que nos ajudam a entender porque as pessoas vivem ou envelhecem de modo tão distinto, segundo a sua visão de mundo.
Freud não escreveu extensivamente sobre a velhice como fenômeno específico, mas seus conceitos fornecem bases para compreender os desafios emocionais e psíquicos dessa fase da vida.
Em O Futuro de uma Ilusão (1927), Freud discute como as ilusões coletivas — frequentemente ligadas à religião e à cultura — ajudam os indivíduos a lidar com as angústias inevitáveis da existência, incluindo a mortalidade. Essas ilusões podem oferecer conforto, mas também criam expectativas que, no envelhecimento, podem entrar em conflito com a realidade.
Já em Além do Princípio do Prazer (1920), Freud introduz a noção de pulsão de morte (Thanatos), que compete com a pulsão de vida (Eros). O envelhecimento pode ser visto como um campo de batalha entre essas forças: de um lado, o desejo de continuar criando, amando e produzindo; de outro, a aceitação das perdas físicas e psíquicas, como a redução da vitalidade, mudanças corporais e a proximidade da finitude.
Na contemporaneidade vivemos o apelo ao ideal de uma juventude eterna. Vivemos em uma era que trata o envelhecimento como algo a ser evitado a qualquer custo. A indústria da beleza e a medicina estética promovem incessantemente a ideia de "rejuvenescer". Paralelamente, a cultura neoliberal exalta a produtividade, sugerindo que o valor do indivíduo está diretamente ligado à sua capacidade de produzir e consumir.
Nesse cenário, as pessoas mais velhas enfrentam o paradoxo de, por um lado, sentir a pressão para manter uma aparência jovem, e, por outro, se deparar com preconceitos que as colocam à margem, como se fossem menos capazes ou menos relevantes.
Vários estudos convergem ao afirmar que a saúde mental em idades avançadas é favorecida por uma postura de aceitação e ressignificação, evitando a rigidez emocional e abraçando experiências e valores que geram sentido na vida.
A teoria do Desenvolvimento Psicossocial de Erik Erikson propôs que o envelhecimento está associado à última etapa do desenvolvimento psicossocial, chamada de "integridade do ego versus desesperança". Nessa fase, os indivíduos revisitam suas vidas, enfrentam perdas (como habilidades físicas e entes queridos) e buscam encontrar um sentido, integrando experiências passadas para alcançar aceitação e sabedoria. O fracasso em ressignificar essa experiência pode levar à amargura e arrependimento.
Em estudos sobre resiliência e envelhecimento, o Estudo Grant, liderado por George Vaillant, analisou fatores que promovem a saúde mental ao longo da vida. Ele identificou que nas relações significativas, a capacidade de resiliência emocional e o foco no que é valioso no presente são pilares para o envelhecimento saudável. Abandonar ideais irrealistas, como a busca por juventude eterna, foi considerado crucial para uma velhice feliz.
Martin Seligman, da Psicologia Positiva enfatiza o foco em forças e virtudes humanas, como a gratidão e a apreciação do momento presente. Seligman destacou que a capacidade de ressignificar experiências difíceis é essencial para o bem-estar em qualquer idade, especialmente no envelhecimento, onde a aceitação do declínio físico é inevitável.
Os estudos sobre Bem-Estar Subjetivo de Laura Carstensen, na sua teoria da Seleção Socioemocional a autora explora como, com o avanço da idade, as pessoas priorizam relacionamentos íntimos e experiências significativas. Os estudos demonstram que essa mudança de foco ajuda a reduzir o estresse e a aumentar o bem-estar subjetivo.
Assim, também na Psicanálise, estudos de Freud (em Além do Princípio do Prazer) e Klein trabalharam o conceito de aceitação da realidade como parte fundamental do desenvolvimento psíquico. Enfrentar perdas e ressignificá-las é visto como um processo que permite o amadurecimento emocional.
Esses estudos embora partam de princípios divergentes, convergem ao afirmar que a saúde mental em idades avançadas é favorecida por uma postura de aceitação e ressignificação, evitando a rigidez emocional e abraçando experiências e valores que geram sentido na vida.
Assim, os estudos apontam que a saúde mental está ligada à capacidade de enfrentar perdas inevitáveis e ressignificar o que é valioso. Para as pessoas com 50 anos ou mais, isso significa abandonar a busca por ideais inatingíveis de juventude e produtividade e valorizar as experiências, relacionamentos e sabedoria acumulada ao longo da vida.
Por fim, observamos que o envelhecimento traz desafios inevitáveis, mas também uma oportunidade única de ressignificar a existência. Mais do que uma fase de perdas, ele pode ser um momento de expansão do interesse pela vida. A experiência com minha mãe me ensinou que o desejo de "aprender a aprender" — de estar aberto ao novo e às mudanças — é um poderoso motor de vitalidade e possibilidade de dar vida à vida, enquanto vida existir, mantendo a sua saúde mental e integral.
Essa postura mantém o indivíduo conectado com o mundo, interessado nas possibilidades ao seu redor. Assim, o envelhecimento pode ser vivido não como uma desconexão, mas como uma oportunidade de renovação, em que o desejo de aprender e se reinventar mantém viva a chama do interesse pela própria existência.
Referências Bibliográficas
Carstensen, L. L. (2011). A Long Bright Future: An Action Plan for a Lifetime of Happiness, Health, and Financial Security. PublicAffairs.
Erikson, E. H. (1987). O Ciclo de Vida Completo: Uma Revisão. Tradução de David G. Van Vactor e Elza S. Araújo. Vozes.
Freud, S. (2010). Além do Princípio do Prazer. Tradução de Paulo César de Souza. Companhia das Letras.
Freud, S. (2010). O Futuro de uma Ilusão. Tradução de Paulo César de Souza. Companhia das Letras.
Klein, M. (1996). Inveja e Gratidão e Outros Trabalhos. Imago.
Seligman, M. E. P. (2019). Florescer: Uma Nova Compreensão sobre a Natureza da Felicidade e do Bem-Estar. Objetiva.
Vaillant, G. E. (2004). Envelhecer com Saúde. Editora Campus.
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